Boa parte da população tem anticorpos contra o vírus da dengue, mas não tem proteção garantida contra todos os sorotipos
Duas pessoas morreram em janeiro no Paraná por complicações da dengue. Ao todo, o período sazonal 2023/2024, que teve início em julho do ano passado, soma 29.075 casos confirmados e oito óbitos no Estado.
Mas, provavelmente, não são apenas essas duas mortes registradas em janeiro – dois homens de Apucarana, um de 22 anos e outro de 73 anos, ambos sem comorbidades. As equipes de vigilância epidemiológica ainda investigam muitas outras mortes suspeitas.
Há 20 anos, já pensávamos que, caso não houvesse o controle adequado da população de mosquito transmissor, tampouco de vacinação efetiva, no futuro, as epidemias seriam ainda mais preocupantes, pelo risco ampliado das formas mais severas aumentarem em incidência. Falamos isso com base em registros de décadas de epidemias que assolaram outras regiões do mundo.
Na realidade atual, sabemos que há uma parcela da população que teve infecção pregressa por um dos 4 sorotipos do vírus da dengue, tornando-se imune ao mesmo. Uma parcela, ainda, já teve infecção por um segundo sorotipo e há, ainda, uma parcela que já teve a infecção pelos três sorotipos que circularam no Brasil e em nossa região.
Depois de três décadas de exposição ao vírus de dengue, pelos sorotipos 1, 2 e 3, certamente há um risco maior de aparecimento das formas graves – dengue severo e muito severo -, pois estas estão relacionadas às pessoas terem anticorpos protetores contra um sorotipo de dengue, mas não contra os demais. Na eventualidade de uma reinfecção, elas podem apresentar reação imunológica exagerada e inadequada, levando a complicações.
Sabemos que as pessoas portadoras de hiperreatividade imune – boa parte da população é inflamada – têm maior chance de complicações.
Todos os obesos, em especial os com grande quantidade de gordura visceral; os asmáticos e alérgicos não controlados adequadamente e pessoas com doenças cardiovasculares, tais como aterosclerose, têm inflamação crônica subjacente de baixo grau, o que pode ser gatilho para reações imunes inadequadas. E elas representam uma parcela significativa da população!
Muitas pessoas foram infectadas previamente e não manifestaram sinais e sintomas que as levassem aos serviços assistenciais de saúde. Isso inclui formas assintomáticas, oligossintomáticas e formas leves da dengue, o que constitui a maior parte, real, dos casos, mas que não tiveram diagnóstico, na maioria das vezes.
Com certeza, sabemos que boa parte da população tem anticorpos contra o vírus, mas não tem proteção garantida contra todos os sorotipos. Mesmo porque o sorotipo 4 não circula há muitos anos no Brasil, e então, toda a população é vulnerável a ele.
É necessário ampliarmos a pesquisa para saber quais sorotipos estão circulando e aprofundarmos as análises. Sabemos que em Londrina, na década de 1990, circulou o Den 1, mas com grande subnotificação, mesmo em formas moderadas e graves, pois a maior parte dos médicos não conhecia dengue.
Nos primeiros anos dos anos 2000, houve circulação expressiva de Den 2 e Den 3. E, recentemente, em reunião no mês de janeiro, a Secretaria Municipal de Saúde de Londrina informou que foi detectado o Den 1 em nossa região novamente.
Na ocasião, a Saúde respondeu que haviam conseguido uma cota maior de exames para isolamento viral, que é feito na Secretaria de Estado da Saúde, pois eu me manifestei, em nome da AML, para que tenhamos certeza de quais são os sorotipos circulantes.
Aos médicos, cabe estudar sobre sinais e sintomas de dengue, para diagnóstico e conduta precoces, com manejo adequado, para contribuir para a boa evolução dos quadros clínicos e seguir as orientações das equipes de vigilância epidemiológica, com notificação obrigatória de todos os suspeitos e demais providências que sejam solicitadas.
Aos laboratórios clínicos também cabe notificar. Se tiver resultados de sorologia positivos para “anticorpos de fase aguda” (IgM) para dengue, a vigilância epidemiológica tem que ser notificada. Sempre notificar a mais é preferível a não notificar. A notificação é muito importante!
Se o paciente apresenta quadro febril, indisposição, além dos demais sinais e sintomas já amplamente divulgados, este deve ser monitorado amiúde, em especial, do terceiro ao sétimo dias da doença, quando há maior risco da ocorrência das reações imunes inadequadas e risco de agravamento, o qual pode ser súbito. Mesmo se a febre já passou, ou se ocorreu só nos primeiros dias.
Interessante observar que o paciente que está em risco de complicações está abatido, indisposto, mesmo se a febre não retornou. Porque as substâncias liberadas pelos glóbulos brancos em grande quantidade, na guerra contra o vírus, não permitem ao paciente se sentir normal.
A hidratação precoce e abundante ajuda a diluir no sangue e tecidos os complexos imunes circulantes, razão pela qual deve ser priorizada. Hidratação particularizada, conforme o peso da pessoa. Quando estão com vômitos, o risco de desidratação é maior e o ideal é hidratar por via endovenosa e observar frequentemente o paciente.
Dra. Josemari Sawczuck de Arruda Campos é pediatra e integrante da Comissão de Saúde Pública da Associação Médica de Londrina
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Por Comunicação AML – Divulga e Infinita Escrita
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