Page 13 - Jornal da AML- MARCO/2021
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ARTIGO
O APRENDER DO ESTUDANTE DE MEDICINA NA ERA
DA INFORMAÇÃO: DOS LIVROS CLÁSSICOS AOS
PODCASTS
Por Fernando Arfux Maluf cast depois de estudá-lo da forma tradicio- cida, nas facetas culturais de uma comunida-
Acadêmico de Medicina PUCLON nal. Há também diversos podcasts com temas de menosprezada, e na complexidade de uma
não médicos, sobre atualidades, educação forma de se comunicar estigmatizada, que é
Inegavelmente, o presente nos presenteou financeira, filosofia, história, cultura, entre- inconcebível para quem não indaga sobre o
com a maior disponibilidade de informações tenimento, e o que mais interessar. É possível que está além da sala de aula. Isto dificilmente
da história. Com a ascensão dos mais di- ouvi-los em agregadores de podcasts ou no seria abordado, com a profundidade do livro,
versos veículos de comunicação, é cada vez Spotify, ampliando a compreensão do mundo em uma aula sobre a fisiologia da audição, ou
mais diversificado o arsenal das formas de conforme se escuta. sobre a própria surdez.
adquirir conhecimento, e o tipo de conheci- Outra maneira de se aprimorar são os audio- A empatia transcende, amplia e complemen-
mento a que se deve dedicar a adquirir den- livros. Eles têm sido gravados há anos, e são ta o conhecimento técnico aprendido na for-
tro e fora do saber médico. Qual o espaço uma forma prática e simples de aproveitar o mação. No livro O Demônio do Meio-dia: uma
das formas tradicionais e das mais moder- tempo quando se sentar com um livro não é anatomia da depressão, de Andrew Solomon,
nas de aprender no cotidiano de quem pre- possível. Graças a eles, as jornadas de ônibus o fato de ele ser um jornalista, e não um pro-
tende ser um médico melhor? para a faculdade nos primeiros 2 anos foram fissional da área, fez com que sua abordagem
Um dos tópicos mais comentados, quando um período em que pude aproveitar para ou- focasse na experiência da depressão, e não
se discute as peculiaridades dos atributos de vir alguns livros (sofro de um terrível enjoo nos critérios do DSM-5 e abordagens meca-
nossa era, é a mudança no que é exigido do de movimento que me impede de ler enquanto nicistas da doença, permitindo que uma pers-
aprendiz dos dias de hoje – o que se projeta passageiro). Nessa época, o potencial imen- pectiva fosse aprendida enquanto eu o lia, e
também para os aprendizes do futuro. Trata- surável da valorização da ciência, e os riscos ilustrando, com uma clareza dolorosa, concei-
-se da ideia de que o conhecimento passou a de sua negação iam sendo escancarados en- tos, intangíveis nas aulas, sobre o quão debili-
abdicar de parte do seu protagonismo para quanto ouvia O Mundo Assombrado pelos De- tante a doença pode ser.
dar espaço à habilidade de adquirir conheci- mônios, do astrônomo Carl Sagan de forma Esse potencial que os livros carregam não
mento. Em resumo: a eficiência em aprender, brilhante e distinta à apresentada nas aulas é exclusivo dos que abordam assuntos médi-
em encontrar a evidência que se busca, tem de metodologia científica. Existem vários por- cos: No clássico A Morte de Ivan Ilitch, de Liev
sido cada vez mais apreciada, no lugar do co- tais que disponibilizam audiolivros, como o Au- Tolstói, é possível encontrar uma miríade de
nhecimento absoluto já adquirido. No caso da dible, o TocaLivros, e o LibriVox, que disponibi- lições sobre a terminalidade da vida, traçar
prática médica, isso é uma tendência natural liza gratuitamente os audiolivros de textos de paralelos com temas atuais da bioética como a
pela velocidade de atualização de condutas, e domínio público para quem quiser ouvir. distanásia, e o poder dos cuidados paliativos.
pela incerteza intrínseca ao exercício da Me- Outro aspecto, cada vez mais fundamental É um poder inerente à literatura. De maneira
dicina. A cada dia novos artigos são publica- para a práxis de qualidade, embora contrain- similar à que o conhecimento médico – adqui-
dos, com qualidades de evidência diferentes, tuitivo, é o de instruir-se mais sobre assuntos rido das mais diversas formas - enriquece o
e provocando reflexões sobre as práticas não médicos, e uma forma muito eficiente de exercício da Medicina, a profundidade e a ma-
em vigor. A qualidade da prática médica de- alcançar isto, é através da leitura. A ideia de turidade da compreensão de mundo que po-
pende cada vez mais da eficiência com que ler como instrumento formativo é uma cons- dem ser adquiridas com a leitura, lapidam a
as evidências são encontradas e da inter- tante em qualquer discurso que remotamente prática médica desde as relações com o pa-
pretação apropriada de sua qualidade. Tra- aborde o tópico de educação, e na educação ciente, até as nuances interpretativas da fisio-
ta-se de uma forma de aprender que deve médica não é diferente: Ao longo da gradua- patologia das doenças.
ser desenvolvida e aprimorada. ção, além do conhecimento médico cobrado, A realidade em que somos inseridos tem sido
Uma ferramenta que só tem crescido entre por diversas vezes é enfatizada a importância modificada rápida e inexoravelmente, e a nos-
os que buscam aprender de forma eficiente, da ampliação de conceitos de outras áreas, de sa capacidade de adaptação diante das mu-
é a aprendizagem por meio de podcasts. Os forma a expandir as referências culturais. danças influenciará diretamente a prática mé-
podcasts de Medicina são cada vez mais co- Aprender com livros o conhecimento que dica. Se o conhecimento liberta, não é razoável
muns, completos e informativos. Atualmente, o ultrapassa a Medicina é uma experiência fan- que o ato de conhecer seja limitado às formas
New England Journal of Medicine possui seu tástica, que carrega lições de comunicação, restritas. Gostaria de ser atendido pelo mé-
próprio podcast, onde divulga semanalmente pensamento crítico, domínio emocional, e a dico que não sabe apenas de Medicina, pelo
os principais artigos publicados no jornal. Há tão citada empatia. A título de exemplo, ao ler médico que sabe aprender, e que sabe encon-
uma série sobre raciocínio baseado em evi- o livro Vendo Vozes, do neurologista Oliver Sa- trar e qualificar uma evidência. Não obstante
dências do JAMA muito enriquecedora, um cks, sobre o universo dos surdos, o fascínio isso, não há por que pensar que salas de aula
podcast da Nature, do British Medical Journal, não está exclusivamente nos estudos sobre e livros-texto devam ser queimados e substi-
e o sensacional Tá de Clinicagem, que tam- o quanto o desenvolvimento da linguagem é tuídos por fones de ouvido reproduzindo po-
bém discute temas de Clínica Médica por uma fundamental para existir o pensar subjetivo dcasts e audiolivros, o caso é apenas que não
abordagem baseada em evidências. Faz toda a e o concatenar de ideias, ou nas peculiarida- há sentido em descartar outras possibilidades
diferença para a fixação de um conceito, tro- des da afasia em quem se comunica usando de aprender do dia a dia de um profissional
ca de experiências, e verificação da aplicação língua de sinais. O fascínio está também na que tem um dever, tão quantioso em sua ocu-
prática, ouvir um assunto na forma de pod- imersão inédita em uma realidade desconhe- pação, de sempre persistir aprendendo.
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